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15/06/16

"O Estado ao serviço de interesses privados e de uma religião?"

no Público,
15 de Junho de 2016

por Santana Castilho*

Com uma Constituição que consagra a escola pública, resulta estranho que no próximo dia 18 esteja agendada uma manifestação para a defender. Todavia, motivações financeiras e ideológicas, que foram crescendo com forte protecção governamental desde 2011, criaram agora, com o apoio natural da Direita e com o envolvimento menos usual da Igreja, uma agitação social e política que a justifica. Com efeito, a reivindicação foi exposta e o discurso assinado: a escola privada teria um direito natural a ser financiada com o dinheiro público, chegando-se a admitir que a escola pública poderia fechar para que a privada sobrevivesse e continuasse. Assunção Cristas, que não pode desconhecer, por formação académica e responsabilidade política, a imposição constitucional de criação de uma “rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população” (artigo 75º da Constituição da República Portuguesa), defendeu o encerramento da escola pública em benefício da escola privada. Fê-lo sob pressupostos, é certo. Mas fê-lo para garantir a tença aos empresários da educação e com desprezo pela Constituição, da qual pode discordar mas à qual deve obediência como deputada da nação. O que está em causa é pois a necessidade de proclamar um “não” cívico claro, como resposta à pergunta que encima este artigo.

Existem bens e serviços que, por se coserem intestinamente com direitos básicos dos seres humanos, não podem sair da tutela do Estado e ser totalmente entregues a organizações que visem o lucro. A saúde e a educação são os casos mais evidentes de bens que devem constituir direito inalienável de qualquer cidadão e, por tal, serem protegidos de tentativas hegemónicas no sentido de os sujeitar às regras do mercado, particularmente quando a lógica do mercado nos é servida sob o piedoso propósito da “livre escolha”. Como qualquer pessoa séria sabe, existem suficientes circunstâncias práticas que distorcem a “livre escolha” da escola ou do hospital e tornam essa escolha tudo menos “livre” para a maioria. Mas finjamos, complacentes com o argumento, que essa liberdade existia. Deviam, então, as escolas públicas “concorrer” com as privadas? Não, definitivamente não. Devem apenas (e é tanto, e é muito e é tudo) assegurar a todos os portugueses, sem os seleccionar em função de resultados escolares anteriores, origem socioeconómica ou escolarização dos pais, o melhor ensino possível. É isso que está em causa e é isso que deve ser defendido. Porque a escola pública é um instrumento fulcral de promoção das democracias: social, política e económica. Porque a escola pública é verdadeiramente inclusiva: não evita territórios pobres, não escolhe alunos ricos, não seleciona em função de crenças religiosas, não discrimina em razão de necessidades especiais. Porque a escola pública não entra no jogo perigoso da concorrência: tem um papel diferente do da escola privada, com a qual convive sem querelas, no respeito constitucional pela liberdade de ensinar e aprender. Porque a escola pública e os cidadãos verdadeiramente livres não aceitam que os papéis se invertam, tornando a escola pública supletiva da privada, reduzida a uma escola para os pobres rejeitados pelo do negócio da educação.

A sociedade que defendo não dispensa uma escola pública que melhore os padrões de vida de todos e à qual sejam alocados recursos financeiros suficientes e autonomia para criar meios e materiais pedagógicos que respondam às necessidades de cada aluno. Esta escola pública e a sua função social não podem ser abandonadas à ganância privada nem à influência religiosa.

Na sociedade que defendo, o legado judaico-cristão que a História deixou à Europa não pode justificar um tratamento de favor à Igreja relativamente aos bens públicos. Porque somos um Estado laico, onde os dinheiros públicos são assunto de César, por mais que o Episcopado português discorde. Porque nessa sociedade o poder temporal não presta tributo ao poder espiritual, que não o da convivência sã e respeitadora.

A zaragata dos colégios privados mostrou, afinal, que, para muitos liberais, sem cabedais de Estado não há mercado. O grupo GPS é disso paradigma maior. Em 11 anos (a festa começou em 2005, com um providencial despacho de um governo PSD/CDS, escassos dias antes de eleições, como mandaria a ética política mínima que não fosse feito), foram-lhe servidos 52 milhões de euros de rendas. Não é, assim, politicamente honesto que a Direita, que em nome do saneamento das contas públicas semeou desemprego e sofrimento na classe média, venha agora defender mais despesa com a continuidade de apoios do Estado a colégios que operam em regiões onde, com praticamente os mesmos custos que já suportam para ensinar apenas alguns, existem escolas com capacidade para receber todos. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

18/05/16

"Os contratos de associação, o Presidente, o Cardeal e, já agora, o Papa"

no Público
18 de Maio de 2016

por Santana Castilho

Existem problemas bem mais graves que aquele que ocupa a actualidade política há quase um mês: porque o Governo decidiu (e bem) não continuar a financiar alunos de colégios privados que operem em zonas onde existam vagas em escolas públicas, criou-se um alarme social que já mereceu referências (particularmente significativas e nada inocentes) do Cardeal Patriarca e do Presidente da República. 

Toda a polémica respeita a 3% (79 escolas, para ser exacto) de toda a rede de ensino privado, composta por 2.628 escolas. Mas rápida e maliciosamente foi apresentada como um ataque a todo o ensino privado. Estas 79 escolas propalaram a probabilidade falsa de virem a ser despedidos cerca de quatro mil professores, quando esse número representa a totalidade do seu corpo docente e o Estado já garantiu, reiteradamente, que nenhum aluno, de nenhum ciclo de estudos em curso, deixará de ser financiado. 

Sendo certo que os contratos de associação sempre foram instrumentos sujeitos à verificação da necessidade de recorrer a privados para assegurar o ensino obrigatório, é igualmente certo e óbvio que sempre foram marcados pela possibilidade de cessarem, logo que desaparecesse a necessidade. Porquê, então, tanta agitação, apesar do senso comum apoiar a decisão e a Constituição e a Lei de Bases do Sistema Educativo a protegerem? Porque o corte futuro de cada turma significa 80.500 euros a abater ao apetecível bolo anual de 139 milhões; porque, a curto prazo, ficarão inviáveis os colégios que vivem, em exclusivo, da renda do Estado e dos benefícios fiscais decorrentes do estatuto de utilidade pública; porque, dor maior, muitos desses colégios têm projectos educativos de índole confessional católica. 

Com este cenário por fundo, não retomo argumentos que estão mais que expostos. Prefiro recordar intervenções de diferentes protagonistas e, com elas, afirmar que será politicamente curioso seguir os próximos desenvolvimentos. 

1. Atribuindo aos autores da medida “interesses alheios aos da comunidade”, dir-se-ia que Passos Coelho se viu retroactivamente ao espelho: quando administrou a Tecnoforma; quando se esqueceu de pagar à Segurança Social; quando violou continuadamente a Constituição, carta magna da comunidade que agora o preocupa; quando, por uma vez, quiçá a única, desobedeceu à Troika, que mandou, logo em 2011, reduzir os contratos de associação; quando promoveu políticas desfavoráveis aos interesses da comunidade, mas altamente convenientes aos interesses de alguns empresários do ensino, a quem, sem escrúpulos, anulou os riscos e engordou os proventos. 

2. Conhecendo a hiperactividade do Presidente da República, olhando para a influência que exerceu no caso do novo modelo de avaliação, só os que acreditam no Pai Natal pensarão que Marcelo Rebelo de Sousa se contenta com um inocente desejo de diálogo frutuoso nos próximos dias. Esperemos que tenha agora a contenção a que o cargo o obriga e que não teve quando comentava, com erro, na televisão. Esperemos que saiba agora que 25% de todos os alunos do privado são subsidiados pelo Estado e que a rede pública reduziu 47%, no mesmo período em que a privada cresceu quase 10%. 

3. O padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, mostrou-se preocupado com a revisão dos contratos de associação e apelou à luta contra a medida que, segundo ele (mal informado) poderá significar o despedimento de 4.000 docentes. Idêntica preocupação, pelo mesmo motivo, exprimiu o Cardeal Patriarca, D. Manuel Clemente. Estranho não ter ouvido (admito que tenha sido distracção minha) nem um nem outro pronunciarem-se quando medidas do anterior Governo atiraram para o desemprego 28.000 professores do ensino público. Mas estranho mais que D. Manuel Clemente tenha amputado a dimensão espiritual da solidariedade quando afirmou que “solidariedade sem subsidiariedade, não o é de facto” ou, como diria qualquer laico menos erudito, “honraria sem comedoria é gaita que não assobia”. Já tínhamos políticos defensores do liberalismo subsidiado. Temos agora um dignitário da Igreja defensor da solidariedade, desde que subsidiada. E porque Sua Reverência citou o Papa, dizendo que ele disse que o Estado deve ser subsidiário do direito e da responsabilidade dos pais, relativamente à educação dos filhos, considerando que esse ponto é que é principal, permito-me ver de modo diverso e considerar, reverentemente, que o principal é o que o Papa recomendou às escolas católicas, aquando do seu último Congresso Internacional, depois de se ter afirmado envergonhado perante uma educação elitista e selectiva: “Saiam para as periferias. Aproximai-vos dos pobres porque eles têm a experiência da sobrevivência, da crueldade, da fome e da injustiça… O desafio é andar pelas periferias …” 

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/05/16

Escola Pública ABAIXO-ASSINADO / PETIÇÃO

http://form.fenprof.org/index.php?sid=68114 

Escola Pública ABAIXO-ASSINADO / PETIÇÃO


A Constituição da República impõe a obrigação de o Estado Português promover uma rede de estabelecimentos públicos que satisfaça as necessidades de toda a população. Dificuldades em garantir essa resposta levaram o Estado a assinar contratos de associação com o setor privado em áreas onde a oferta pública era inexistente ou insuficiente. Com o passar dos anos, o número de contratos celebrado revelou-se claramente excessivo face às necessidades do sistema, verificando-se, por ausência de fiscalização, frequentes situações de desrespeito dos termos desses contratos, particularmente no que concerne aos limites das áreas geográficas que lhes foram atribuídas. Face à declarada intenção do Governo de fiscalizar rigorosamente o cumprimento dos contratos assinados em agosto de 2015 e ao protesto de quem, tendo assinado o contrato, pretende receber apoio financeiro para alunos que residem em áreas onde existem escolas públicas, os abaixo-assinados/peticionários defendem: 

1. Que não haja duplicação do financiamento e que, no respeito pela Constituição, se garanta o financiamento adequado à Escola Pública; 

2. Que o apoio financeiro a colégios privados, através de contratos de associação, tenha lugar apenas quando a resposta pública é insuficiente, sendo, nesse caso, apoiados os alunos das áreas geográficas previstas nos contratos celebrados; 

3. Que aos docentes dos estabelecimentos particulares e cooperativos, cujos horários de trabalho são ainda mais sobrecarregados, sejam aplicadas as mesmas normas que se aplicam no ensino público. 

Os abaixo-assinados/peticionários rejeitam todas as acusações que pretendem menorizar e desqualificar o ensino público e os seus profissionais, reafirmando que só com um maior investimento na Escola Pública se garante o direito de todos a uma educação de qualidade. [Descarregar documento para subscrição em papel]

04/05/16

Deve o Estado financiar as escolas particulares?

no Público 
4 de Maio de 2016

por Santana Castilho*

1. A retoma do discurso sobre a liberdade de aprender e ensinar, para combater a recente decisão do ministro da Educação sobre o financiamento do ensino privado, obriga-me, também, a retomar o que repetidas vezes aqui tenho escrito. Porque não é essa liberdade que está em causa, mas sim saber se deve o Estado financiar as escolas particulares, cuja criação e funcionamento são livres, como mostra a circunstância de 20% da rede de escolas do país ser privada.

Esta falsa questão é uma subtileza para fazer implodir o princípio da responsabilidade pública no que toca ao ensino porque, constitucionalmente, a escola pública é uma obrigação do Estado, enquanto a privada é uma liberdade dos particulares.

É manifesto que muitos “contratos de associação” só se têm mantido por cedência dos governos à pressão do lobby do ensino privado. É manifesto que só devem persistir os que correspondam a falhas da rede pública, se é que ainda existem. É isso que faz o Despacho Normativo 1 H/2016, que respeita integralmente a lei e os compromissos anteriormente assumidos, sem interrupção de ciclos lectivos iniciados e sem sequer impedir que outros se iniciem, desde que necessários. Posto isto, apenas lamento a inabilidade e a imaturidade política com que o problema foi tratado. A triste cena da Mealhada não augura futuro fácil.

2. Alguns leitores escreveram-me a apoiar a iniciativa ministerial sobre a constituição das turmas com alunos com necessidades educativas especiais, por mim repudiada no meu último artigo. Descreveram mesmo, como fundamento, “abusos” que conhecem. Permitam-me, pois, que clarifique o que penso.

Integrar uma criança deficiente (eu sei que há quem evite o termo, mas os problemas não se resolvem mudando os nomes) supõe, sempre, tentar superar-lhe as dificuldades para que a integração seja possível. Há casos onde será sempre impossível, por melhores que sejam as ajudas específicas, conseguir que essa criança fique capaz de acompanhar os outros em todas as actividades. Sem rodeios, nesses casos, a integração será, simplesmente, uma falácia. Na relação de uma turma regular com um aluno deficiente, o equilíbrio que uma sociedade avançada (e humanizada) deve procurar é proporcionar ao deficiente as vantagens, muitas, que para ele resultam da relação com os outros. Mas, para os outros (que também devem beneficiar do contacto com o colega, particularmente nos planos afectivo, moral e cívico) o equilíbrio citado significa que tudo se faça sem prejudicar o direito de progredirem ao seu ritmo. Ora isto só se consegue com medidas especiais de apoio durante as fases de integração, de que a redução do número de alunos é parte fundamental.

Poderá ser questionável o modo como se conjugam as duas coisas. Certamente que haverá erros, relaxamentos e, eventualmente, abusos. Mas qualquer iniciativa que reduza situações, sempre particulares, a quotas gerais só pode vir de quem não tem a mínima noção do que significa “ensino integrado”, muito menos dos problemas que se colocam a um professor do ensino regular, quando tem em sala alunos com necessidades educativas especiais. Dizer que quotas cegas forçam a integração é ignorância. Se não for ignorância, é sadismo. Ambas as hipóteses são inaceitáveis num ministro da Educação. Aliás, o recurso a quotas impróprias começa a fazer escola no ministério de Tiago Brandão Rodrigues. Também a mobilidade por doença está agora sujeita a rácios vergonhosos, que nem sequer consideram a dimensão dos agrupamentos.

3. Sob o título “O que faz uma boa escola”, veio a público mais um estudo sobre a educação dos nossos jovens. O estudo foi produzido no âmbito do projecto “aQueduto”, uma iniciativa conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Conselho Nacional de Educação (CNE). O estudo analisa o que mudou entre nós, com base nos resultados e inquéritos do PISA e conclui que a dimensão das turmas não influencia o desempenho dos alunos. Curiosamente, o CNE, num outro estudo, exactamente sobre a dimensão das turmas, concluiu haver uma relação entre essa dimensão e o tempo dedicado só ao ensino, o que, obviamente, tem forte impacto no desempenho dos alunos.

Cada vez há mais estudos a estabelecer relações entre as diversas variáveis presentes no processo de ensino e os respectivos resultados. A credibilidade desses estudos é grosseiramente ferida pelos mesmos erros (estabelecimento de conclusões ilegítimas, confundindo hipóteses com conclusões) e pelas mesmas estranhas coincidências (aparecem sempre por altura da vinda a público de teses politicamente apresentadas como correctas). Quando os analisamos em detalhe é fácil verificar que outras variáveis possíveis (concepção e desenvolvimento curricular, recursos disponíveis, autonomia e gestão das escolas, por exemplo), que não interessam a uma conclusão preordenada para sustentar determinada tese, não são consideradas.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

22/04/16

42º aniversário do 25 de Abril

Passaram 42 anos sobre o 25 de Abril e (mais importante ainda, porque me diz directamente respeito ...) passaram 42 anos sobre mim.
O 25 de Abril apanhou-me em Lisboa, virgem de tudo. Eu, rapariga viseense que tinha aspirado aos horizontes largos da capital, onde, mal se chegava a Vila-Franca, se respirava melhor.
Eu, ignorante, olhos "wide-shut", tinha tido contacto com a bestialidade dos 'gorilas' na faculdade de Letras, no meu 1º ano fora de casa. Tinha visto como a polícia de choque disparava balas de verdade contra estudantes indefesos, que, reunidos na cantina, comiam... só comiam. Eu, que, finalmente, me tinha imiscuído nas teias da ditadura, à época, de Marcelo Caetano, o sucessor de Salazar. Inadvertidamente, inocentemente, desapercebidamente. Assim, só por ser aluna, só por estar lá, e o tanto que me lembro do Brasil, neste abafar cego dos direitos mais básicos, da mais básica aspiração à justiça e à liberdade ...
Ouvia e aprendia, eu, viseense. Eu, adolescente impreparada e protegida. Eu, ignorante. Um vizinho comunista que tinha, e de que se fazia segredo, nada mais. Contássemos nós, apenas, com os homens e as mulheres de boa vontade, e nunca ...
Houve uma força que se adiantou, capitães de Abril. Uma força que foi o mote e a voz e o caminho. Sem eles, sem a sua iniciativa, nunca! E louvo a sua coragem libertária e os cravos que lhes espetaram nas espingardas, todos, "tão próximos e nus e inocentes", como dizia o Eugénio.
Louvo-os, ainda hoje, adulta e depois sénior e apesar disso tão utópica como nesses dias. Porque a cor da liberdade é o vermelho. A cor da igualdade É o vermelho. É vermelha a utopia e a esperança e a confiança de que, juntos, conseguiremos. Juntos, seremos melhores. Juntos, construiremos o mundo, um que o seja, digno dos nossos dias de juventude, do sangue derramado e da luta que tantos de nós só soubemos porque se escancararam "as portas que Abril abriu"!

20/04/16

De um “conservador” para um ignorante

no Público
20 de Abril de 2016

por Santana Castilho*

1. O ministro da Educação afirmou que a sua política é “progressista” e que quem a critica “apresenta uma visão conservadora do país”. Crítico que sou da política em análise, Tiago Brandão Rodrigues chamou-me conservador. É altura de lhe dizer que é ignorante. 

Porque só um ignorante da complexidade do insucesso julga que o combate com fornadas de formação para os professores. Estou a referir-me às indizíveis acções que acabaram de ter lugar em Évora, Leiria e Braga. Em golpe de mão, onde a surpresa e a rapidez da convocatória nem permitiram a muitos saber ao que iam, arregimentaram-se professores para ouvirem em dois dias (no primeiro, das 09.30 à meia-noite), fechados num hotel, as mais finas tretas de um “eduquês” que agora será reproduzido “em cascata”, primeiro para directores, coordenadores de directores de turma e coordenadores de 1º ciclo (numa imposta maratona até Junho) e, posteriormente, para todos os professores. Aos que preferiam ver-me como o patinho sentado da história que o ministro mandou contar às escolas, e se apressarão a decretar o exagero do meu sarcasmo, deixo um naco da prosa que extraí dos respectivos documentos de apoio: 

«Se as organizações fossem vistas como jardins, os líderes não poderíam mandar que crescessem. Teríam que enfrentar as impredictibilidades, os fatores ambientais, trabalho em equipa e fatores de risco que normalmente se caracterizam quando se pensa em desenvolver algo. Os líderes só podem promover o desenvolvimento ao "reorganizar as condições e as estruturas"... Para os jardins, estas condições são o sol, humidade, solo, nutrientes e temperatura; para as escolas são o tempo, espaço, materiais, incentivos, formação, colegialidade, respeito, confiança e recursos humanos» 

(Os erros ortográficos, mesmo o do verbo ter, estão no documento consultado). 

Se os leitores quiserem mais, acedam à indigência dos PowerPoint usados. Encontrarão, por exemplo, um slide piroso com um gatinho amarelo frente a um espelho, que lhe devolve a imagem de um leão de farta juba. Ao lado, a mensagem profética que vai resolver o insucesso: 

“Os professores com altas expectativas dos seus alunos transmitem essa atitude (intencionalmente ou não) e em geral estes estudantes obtêm melhores resultados do que os dos professores cujas expectativas são baixas”

Preparem-se, professores, para mais trabalho, em ambiente de piolheira palavrosa, a somar às aulas e aos cargos, às provas que foram extintas mas podem ser feitas ao mesmo tempo das outras que, sendo facultativas, começam por ser obrigatórias. Preparem-se, ainda, que a cena está programada para os próximos três anos lectivos. E, sobretudo, preparem-se, mais uma vez, para serem os maus da fita, responsabilizados, no fim, pelo insucesso do combate ao insucesso. 

Ignorante por permitir que do ministério que tutela saia um normativo tão repugnante como o despacho 1-H/2016, segundo o qual as turmas que integrem alunos com necessidades educativas especiais só poderão ter a dimensão reduzida que a lei prevê se esses alunos estiverem, pelo menos, 60% do tempo em contacto com os colegas. Quer isto dizer que quanto mais graves e profundas forem as deficiências dos alunos (porque é essa gravidade que dita a separação deles do grupo “normal”, em determinadas ocasiões) maior será a dimensão da turma, quando integrados. Dizer depois, como o ministério disse, que esta enormidade tem como “único objectivo induzir mais inclusão”, é de um primarismo sádico, intolerável. Bem pior que as “salutares bofetadas” do outro! 

2. Sem surpresa (a questão estava no programa eleitoral do PS e está no programa do Governo), o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses anunciou que a “municipalização” da Educação avançará em 2018. Ainda sem surpresa é que se avance sem que se conheça qualquer avaliação das experiências em curso e sem que se analisem criteriosamente os maus resultados das alheias (descritos por mim em artigo do Público, de 15/2/15). Com efeito, a estratégia é abocanhar, de qualquer jeito, as verbas comunitárias possíveis, ampliando as iniciativas de outsourcing educativo, tão ao gosto dos que dizem uma coisa e fazem o oposto. Surpresa é o olímpico silêncio de Mário Nogueira sobre o tema. Em tempos de Nuno Crato e face a dezena e meia de experiências-piloto, a luta foi vigorosa (11 providências cautelares accionadas nos tribunais, 50 mil professores inquiridos, com 43 mil a manifestarem-se contra, e toda uma incansável intervenção pública denunciadora dos malefícios da “municipalização”. Agora, que a intenção parece ser generalizar a todas as autarquias e a todo o sistema de ensino, o ruído deste silêncio é difícil de acomodar. 

Já não se trata de antagonismos no que toca a soluções e processos. Trata-se de suportar um ministro tecnicamente incompetente e politicamente irresponsável. Com o silêncio dos cúmplices. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

06/04/16

Intenções, palavras gastas, folclore

no Público
6 de Abril de 2016

por Santana Castilho*
 
Na penúltima semana de Março, o Governo falou ao povo. A 24, Tiago Rodrigues deu-nos a conhecer o resultado de um Conselho de Ministros dedicado à Educação. São cinco as epígrafes que sintetizam outras tantas políticas definidoras do rumo para a legislatura:

1. “Sucesso escolar”, com o anúncio de mais um Programa Nacional (este não é “integrado”) visando envolver toda a gente, menos, significativamente, os alunos e recuperando os mais gastos e vulgares lugares comuns sobre a matéria.

2. “Orçamento participativo”, isto é, demagogia primária e gongorismo cívico, que consistirá em atribuir, no dia do estudante do próximo ano (desta feita Marcelo não poderá invocar falta de previsibilidade), aos alunos do Secundário e do último ciclo do Básico, uma verba adicional, que será gasta segundo decisão deles, em prol da escola, entenda-se.

3. “Formação de adultos”, ou seja mais um programa, este “integrado”, como manda o prontuário de serviço, que recupera e elogia as Novas Oportunidades, de má memória (adiante fundamentarei).

4. “Educação inclusiva”, decidindo-se nesta sede a criação de um grupo de trabalho para reorganizar leis (como se o problema não fosse cumpri-las) e juntar aos diplomas dos graus não superiores um suplemento que ateste o que os titulares fizeram em contexto extra-curricular (admitindo eu que torneios de caricas não sejam elegíveis).

5. “Parcerias”. Sim, parcerias. Uma com o Ministério da Saúde, para habilitar os alunos do 10º ano com competências em Suporte Básico de Vida. A outra, com o Ministério da Economia, a cargo de estudantes do Ensino Artístico, tratará da “animação turística” das ruas das nossas cidades.

Aos que achem que estou a ser sarcástico em excesso, peço que leiam o documento com que o ministro comunicou com o país. Confiram a linguagem redonda, as formulações gastas, a pobreza de frases sem sentido. Reparem nesta, que explica o Programa Integrado de Educação e Formação de Adultos (PIEFA):

“Este programa deverá assentar numa maior integração das respostas na perspetiva de quem se dirige ao sistema, tornando, na ótica do formando, coerente e unificada a rede e o portefólio dos percursos formativos, que no percurso individual devem ser passíveis de combinação personalizada”. 

Entenderam? Por aqui é que vamos?

A 29 falou António Costa. No Centro de Congressos de Lisboa, apresentou-nos o Programa Nacional de Reformas 2016-2020, um PowerPoint foleiro (prosa em slides é cábula de comunicador de vão de escada) com diagnósticos e objectivos. Mas o que falta ao país não são diagnósticos. São soluções. O que falta ao país não são objectivos. São processos, saber e autonomia financeira para os cumprir. Mas sobre o concreto para gastar os 12,5 mil milhões de euros de que Costa espera dispor, Costa disse nada, sendo por isso vazia de sentido a discussão pública que propôs até final de Abril. Em matéria de Educação retomou a conversa da treta de Tiago Rodrigues e acrescentou-lhe mais a universalização da frequência do pré-escolar aos três anos até 2019. Este tópico e a recuperação das Novas Oportunidades merecem um comentário.

A educação de adultos é importante? Obviamente que sim. Todas as iniciativas que visem a qualificação dos cidadãos são importantes. A taxa de analfabetismo de 5,15%, apurada pelo censo de 2011, (sendo que o analfabetismo funcional não está determinado) tem repercussões relevantes do ponto de vista pessoal e social e muitos dos professores sem emprego poderiam combatê-la. Neste quadro, o reconhecimento e validação de competências adquiridas em percursos profissionais consistentes, para efeitos de equivalência a processos de escolarização formal, afigura-se um mecanismo aceitável. Desde que sério e aplicado com rigor. E é bom que não esqueçamos que os Centros Novas Oportunidades do consulado de Maria de Lurdes Rodrigues sucumbiram à pressão política para passarem certificados em prazos insuficientes para formar. Aí residiu o logro genérico: confundir certificação com qualificação. No apogeu do programa, o discurso oficial orgulhava-se da cadência de 10.000 certificações mensais, mas clamava pelo objectivo das 30.000, o que, pese embora a seriedade e a dedicação de muitos, foi, globalmente, um embuste.

Sendo certo que a qualificação dos portugueses está longe dos níveis dos nossos parceiros mais desenvolvidos, pode António Costa atribuir o atraso económico a esse fenómeno? Como assim, num país que exporta médicos, engenheiros e enfermeiros (só no Reino Unido estão 12.000), e que por cá desperdiça no desemprego, nas caixas dos supermercados e nos “call centers” dezenas de milhares de licenciados (professores, arquitectos, juristas,etc.)?

Quanto ao pré-escolar, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, apoiada pelo Conselho Nacional de Educação, promoveu um estudo que concluiu que a taxa de retenção (uma vez, pelo menos, até aos 15 anos) dos jovens que o frequentaram é 29%, enquanto a daqueles que não tiveram tal experiência se cifra em 46%. Poderão estes dados permitir o estabelecimento de uma relação directa, sobretudo única, entre a frequência dos jardins-de-infância e a diminuição do insucesso escolar? Não parece prudente fazê-lo, quando os dados estatísticos disponíveis mostram, do mesmo passo, uma correlação directamente proporcional entre o estatuto sócioeconómico das famílias e a apetência para colocarem os filhos no pré-escolar. Assim sendo, quem para lá vai e contribui para o abaixamento da taxa de retenção, transporta outras vantagens favoráveis ao desenvolvimento, que acrescem às que retirarão da passagem pelo pré-escolar. Não contesto a correcção das políticas que tendam a universalizar o acesso ao pré-escolar aos três anos. Tão-só pretendo sublinhar que não será a panaceia decisória para o insucesso, sobretudo se essa universalização for marcada pela antecipação das aprendizagens de cariz escolar. A imaturidade psicológica das crianças (defendo, de há muito, os 7 anos como idade de entrada no básico) para serem confrontadas com determinadas aprendizagens, é responsável por muito insucesso. São erradas as pressões para obter mais e melhores resultados escolares cada vez mais cedo. São erradas as políticas que procurem reduzir a educação de infância a uma simples antecâmara da educação escolar. É outra a função dos jardins-de-infância, onde o desenvolvimento de capacidades vitais de crescimento deve ser promovido na condição de crianças, que não de alunos.

A comunidade educativa vive há 40 anos entre a euforia e o desânimo. Não só de modo cíclico, como de maneira polarizada dentro de cada ciclo: de um lado os reformistas do momento, do outro os seus oposicionistas. E as posições trocam-se quando muda a cor dos que chegam ao Governo. Nas fases mais bipolares, como foi o caso da anterior legislatura e é o caso da actual, as oscilações vão do 8 ao 80. A cada recomeço, uns divisam horizontes de milagre, enquanto outros profetizam cenários de desastre.

Quantos mais transplantes para as escolas, de ideologias e de imbecilidades, teremos que sofrer, quanto mais terão que sofrer pais, alunos e professores, para que os partidos políticos aceitem que as reformas em educação devem respeitar ciclos inteiros de aplicação, em nome da estabilidade e da previsibilidade, indispensáveis a avaliações sérias e trabalho pedagógico sereno?

Todos percebemos, tardiamente, que as desilusões têm o tamanho das ilusões. Mas essa percepção não tem sido suficiente para nos poupar à realidade dos fundamentos medíocres das mudanças impetuosas. Quando assim escrevo não penso só em Tiago Rodrigues, que em tão pouco tempo já me esclareceu. Penso em Nuno Crato, também, para não recuar mais. Ante a continuada incapacidade de ter um modelo de ensino pactuado (em que cada força política aceite ceder no imediato para construir vantagens para o país no futuro) é natural que sobrevenha o pessimismo de um lado e o sebastianismo do outro. E lá voltamos à dinâmica bipolar, numa alternância diabólica. Pôr-lhe fim é o desafio do futuro. Tudo o mais, intenções, ideias em quinta mão, palavras gastas, folclore. 

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

04/04/16


a educação, senhores, a EDUCAÇÃO!
sempre e sobretudo!


Panama leaks e a denúncia selectiva

 ............... ou de como os donos das grandes empresas de informação sabem proteger-se a si próprios .....
https://panamapapers.icij.org/assets/articles/home_140402.jpg

Corporate Media Gatekeepers Protect Western 1% From Panama Leak 

3 Apr, 2016 
by Craig Murray *
fonte

Whoever leaked the Mossack Fonseca papers appears motivated by a genuine desire to expose the system that enables the ultra wealthy to hide their massive stashes, often corruptly obtained and all involved in tax avoidance. These Panamanian lawyers hide the wealth of a significant proportion of the 1%, and the massive leak of their documents ought to be a wonderful thing.

Unfortunately the leaker has made the dreadful mistake of turning to the western corporate media to publicise the results. In consequence the first major story, published today by the Guardian, is all about Vladimir Putin and a cellist on the fiddle. As it happens I believe the story and have no doubt Putin is bent.

But why focus on Russia? Russian wealth is only a tiny minority of the money hidden away with the aid of Mossack Fonseca. In fact, it soon becomes obvious that the selective reporting is going to stink.

The Suddeutsche Zeitung, which received the leak, gives a detailed explanation of the methodology the corporate media used to search the files. The main search they have done is for names associated with breaking UN sanctions regimes. The Guardian reports this too and helpfully lists those countries as Zimbabwe, North Korea, Russia and Syria. The filtering of this Mossack Fonseca information by the corporate media follows a direct western governmental agenda. There is no mention at all of use of Mossack Fonseca by massive western corporations or western billionaires – the main customers. And the Guardian is quick to reassure that “much of the leaked material will remain private.”

What do you expect? The leak is being managed by the grandly but laughably named “International Consortium of Investigative Journalists”, which is funded and organised entirely by the USA’s Center for Public Integrity. Their funders include
- Ford Foundation
- Carnegie Endowment
- Rockefeller Family Fund
- W K Kellogg Foundation
- Open Society Foundation (Soros)

among many others. Do not expect a genuine expose of western capitalism. The dirty secrets of western corporations will remain unpublished.

Expect hits at Russia, Iran and Syria and some tiny “balancing” western country like Iceland. A superannuated UK peer or two will be sacrificed – someone already with dementia.

The corporate media – the Guardian and BBC in the UK – have exclusive access to the database which you and I cannot see. They are protecting themselves from even seeing western corporations’ sensitive information by only looking at those documents which are brought up by specific searches such as UN sanctions busters. Never forget the Guardian smashed its copies of the Snowden files on the instruction of MI6.

What if they did Mossack Fonseca database searches on the owners of all the corporate media and their companies, and all the editors and senior corporate media journalists? What if they did Mossack Fonseca searches on all the most senior people at the BBC? What if they did Mossack Fonseca searches on every donor to the Center for Public Integrity and their companies?

What if they did Mossack Fonseca searches on every listed company in the western stock exchanges, and on every western millionaire they could trace?

That would be much more interesting. I know Russia and China are corrupt, you don’t have to tell me that. What if you look at things that we might, here in the west, be able to rise up and do something about?

And what if you corporate lapdogs let the people see the actual data? 


ler mais:
https://www.craigmurray.org.uk/archives/2016/04/corporate-media-gatekeepers-protect-western-1-from-panama-leak/ 

*  Craig Murray is an author, broadcaster and human rights activist. He was British Ambassador to Uzbekistan from August 2002 to October 2004 and Rector of the University of Dundee from 2007 to 2010.

03/04/16

if ......

.............Se (e é um quase impossível "se" ...) ele ganhasse, alguma esperança haveria de que as coisas melhorassem um pouco, nos EUA e no que, no mundo, lhes sofre a influência, quase sempre nefasta ...

02/04/16

Angola e o colonialismo

de Fernando Caterça Valentim
.............sobre Angola, a língua portuguesa e o colonialismo ... gostei de ler ... 

retirado daqui: http://nguimbangola.blogspot.pt

«(...)  Com o objectivo de preparar-me para o exame de acesso à Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, no curso de Línguas e Literaturas Africanas, fiz alguma pesquisa na internet sobre a questão da língua portuguesa em Angola. Entre variadíssimos artigos no espaço cibernético, encontrei um texto escrito por um português que vivenciou a imposição da sua língua ao colonizado e o menosprezo das línguas locais. Sem a autorização do autor, ousadamente faço a postagem do referido artigo que me deixou em reflexão com o objectivo de manter-mos vivo os meandros do surgimento da Língua hoje oficial. O artigo vem em resposta a pergunta: Qual é a importância e origem do português em Angola? Publicada no site: http://www.ciberduvidas.com. Eis a resposta: »

“Temos de partir do princípio de que o país Angola foi criado através de um pacto de colonização interno, depois da partilha de África pelas potências europeias. Foi um pacto entre o colonizador e o colonizado, entre o vencedor e o vencido, entre o ocupante e o ocupado.

A unidade territorial Angola, criada, penso, a partir do século XIX e mantida até hoje, não dispunha de nenhuma língua sua, mas antes de sublínguas com a mesma raiz, um pouco como as línguas europeias neolatinas.

As principais eram (e são): kikongo, kimbundu (quimbundo), umbundu (umbundo), tchokue e cuanhama, considerados pelos portugueses como dialectos. A língua portuguesa foi-se impondo como a língua da totalidade angolana, uma imposição de fora. A ideologia da colonização era simples neste aspecto: sobrevalorizar a língua do colonizador e desprezar, de acordo com os interesses estratégicos do ocupante, as sublínguas locais.

Isto culminou com a exclusão das línguas locais do ensino e com o processo de "assimilação". O que era a assimilação? Muito simples: os colonizados não eram cidadãos portugueses. Não tinham direito a bilhete de identidade. O que os tornava "legais" era: 1 - o cartão de trabalho assinado diariamente pelo patrão; 2 - o imposto indígena reconhecidamente pago. Caso contrário, eram presos nas rusgas diárias e encaminhados para: 1 - obras públicas (estradas); 2 - serviços domésticos (os colonizadores tinham o direito de ir à prisão da esquadra policial escolher um "rapaz" não nascido em Luanda ou Malanje - os destas regiões eram considerados falsos nas suas relações com os colonizadores; os do "sul" eram considerados "pretos fiéis" e por isso com muita procura para os trabalhos domésticos. Os colonizados não podiam por isso casar, mas "amigar". O casamento era para os "mestiços" (a quem os colonizadores chamavam "africanos": uma senhora "africana" era uma mulher mestiça).

Para se tornarem "cidadãos portugueses" tinham de prestar provas: ser católico praticante, dormir numa cama, ter o exame da quarta classe, falar bem português, ter só uma mulher, comer com garfo e faca, isto é, ter costumes "europeus exemplares". Isto é: o que para um qualquer branco era adquirido por nascimento, para o colonizado era adquirido depois de difíceis provas, em que, muito provavelmente, muitos europeus reprovariam.

Assim se impôs a língua portuguesa, através de redes de pequenos colonizadores, nas cidades e nos campos.

Eram comerciantes, donos de terras concedidas (depois de rapidamente expropriadas aos colonizados), etc, etc. No meu tempo, raros eram os negros ou mestiços que passavam da quarta classe para o liceu.

Exemplifico: no meu tempo fui companheiro de três ou quatro crianças negras ou mestiças no ensino primário, para centenas, se não milhares, de brancas. Logo no primeiro ano do liceu só havia um negro na minha turma de 40 alunos. No meu ensino complementar para Direito, havia uma média de 50 brancos para quatro negros e mestiços. Todos os outros ficavam pelo caminho. Isto para uma população de 500 mil brancos – 5 milhões de negros/mestiços.

A língua portuguesa nunca se misturou com as línguas locais, consideradas inferiores. Se houve alguns portugueses que conseguiram, pela sua prática de comerciantes, falar correctamente a língua local, a grande maioria utilizava apenas expressões muito pejorativas dessas línguas. Passo a exemplificar: o que se ouvia os colonizadores (neste caso os brancos) dizer, em tom de galhofa, era: "sundu ia maienu – cona da mãe; tuje - merda; munhungo – prostituição – «a gaja é uma preta do munhungo", etc, etc.

A língua portuguesa impôs-se não pela convivência, não pela procura de uma língua de mistura (ou crioula), mas pela exclusão forçada das línguas locais. São raras as expressões de línguas locais que a língua portuguesa absorveu: "maka - problema".

E é interessante ver as "nuances": um preto era sempre um rapaz, quer tivesse 10 ou 100 anos, sempre tratado por tu pelos brancos; o filho de um branco era sempre o menino; um branco era sempre o patrão; a mulher do branco era sempre a senhora; a mulher negra era a rapariga; a mulher mestiça clara era a senhora africana; os mestiços claros eram os cabritos; os negros escuros eram os pretos fulos; os pretos perigosos eram os calcinhas (de Luanda) e os malanginos e catetes; os pretos "amigos" dos brancos eram os bailundos ou os cabindas, os pretos fiéis.

Os filmes ou eram para "maiores de 13, assimilados e interditos a indígenas", ou "para maiores de 6 e indígenas". Isto é, um indígena (um negro sem BI) era considerado até à morte como uma criança menor de seis anos. O Cinema Colonial (no bairro de S. Paulo) estava assim estratificado: bancos de cimento sem costas, mesmo à beira do ecrã, para indígenas; a superior, bancos corridos de madeira com costas, para mestiços e assimilados; cadeiras individuais para os pequenos brancos; camarotes, para os menos pequenos brancos. Esse cinema chama-se hoje Popular e preencheu-me o dia-a-dia da minha meninice e adolescência. Os colonizadores nem sonham que foi aí, entre um filme de Tarzã e outro do Zorro e do Roy Rogers, que eu aprendi a ser anticolonialista convicto e, sendo branco, tornei-me antibranco (porque o branco era a face visível da tirania e da opressão), um menino de 10 anos revoltado contra o racismo, não teórico, mas ali ao meu lado, preenchendo todo o meu espaço vivencial.

Foi nessa altura que eu comecei a aprender a língua kimbundu (quimbundo), por manuais feitos por missionários. A tal ponto que ainda hoje, se me perguntarem qual é a minha verdadeira língua, eu respondo automaticamente: o kimbundu, mas também o português. Esta visão pode chocar, mas o que escrevi sou eu próprio. ”

Rui Ramos :: 17/12/1999

23/03/16

A palhaçada

no Público
23 e Março de 2016

por Santana Castilho*

Segundo a Rádio Renascença, o diploma que instituía o modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens no Ensino Básico poderia ser vetado. Para o evitar, Governo e presidência da República, leia-se Tiago Rodrigues e Isabel Alçada, terão negociado um regime transitório, que assenta na não obrigatoriedade das provas de aferição e na possibilidade de ressuscitar os exames dos 4º e 6ºanos, ainda que sem contarem para classificação.
O que de mais generoso me ocorre para qualificar este quadro cobarde, gerador de confusão e instabilidade, caracterizado por três modelos de avaliação num mesmo ano lectivo, três, é que se trata de uma deriva de irresponsáveis. A ser verdade o que disse a Renascença, como pode ter passado pela cabeça do Presidente da República vetar um diploma que, por mais sem sentido que fosse (e era) não feria nenhuma disposição da Constituição e leis correlatas? Como entender que Marcelo presidente passe a vetar normativos de governo, porque Marcelo, comentador, os criticou?
E porquê cobarde? Porque uma decisão que deveria ser da exclusiva responsabilidade do Governo acaba, farisaicamente, entregue às escolas. Em dois meses, haverá escolas que, com aulas, reuniões e férias pelo meio, irão conceber e fazer os exames que a estrutura do IAVE, profissional, especializada e em tarefa exclusiva, faria num ano inteiro. Umas escolas terão provas, outras não. Uns alunos farão exames, outros não. A cascata das legítimas discordâncias sobrará para as escolas. Porque um ministro imaturo brincou às democracias e às autonomias com uma ex-ministra, perita em acordos envenenados.
Vimos o que nunca deveríamos ter visto. Os exames foram abolidos, já quase a meio do ano lectivo, com os votos dos deputados do PS, na manhã seguinte à tomada de posse do governo do PS, cujo programa não continha tal medida. No primeiro debate em que participou como primeiro-ministro, António Costa, desconhecendo o programa do seu próprio governo, afirmou que o exame do 6ºano não estaria em causa, para ser desmentido, dias depois, pelo ministro da Educação.
Estamos todos lembrados do modo precipitado e arrogante que pôs fim aos exames, contra o parecer de muitos, Conselho Nacional de Educação e Conselho de Escolas incluídos. Coisa nociva para o sistema, a exterminar, por isso, com urgência, dizia o ministro em Janeiro passado. E agora podem ser feitos nas escolas que o decidam?
É patética a invocação da autonomia da Escola para justificar esta palhaçada já que, no mesmo momento, o ministro lhe anuncia o fim para daqui a uns meses. Isto é, glória suprema, a autonomia das escolas, agora, decide. Mas no próximo ano lectivo já decidiu ele, pensem as escolas o que pensarem. Melhor tributo à hipocrisia não podia ser prestado, para não falar da permanente incerteza introduzida no espírito das crianças e das suas famílias e no planeamento do trabalho das escolas e dos seus professores.
Mas o desconhecimento e o amadorismo de quem governa estão patentes noutros acontecimentos.
Em rigor, os exames de Cambridge não desapareceram. Apenas foram suspensos.
A PACC não desapareceu. Apenas foi subtraída como requisito de concurso. Continua firme no Estatuto da Carreira Docente, todo ele, aliás, intocável. Como se não fosse algo que um ministro conhecedor e um partido respeitador da profissão docente não tivessem que refazer com urgência máxima.
A revisão da legislação sobre concursos (DL nº 9/2016, de 7 de Março) é desoladoramente pobre em substância e indigente em fundamentação. A forma usada para remover a Bolsa de Contratação de Escola (BCE) suscita um receio legítimo: a eliminação parece ser simplesmente temporária, isto é, cosmética agora, mais do mesmo em breve. Com efeito, se por um lado se invoca a morosidade e complexidade operacionais para extinguir, exprime-se, por outro, a intenção de recuperar, no futuro, o modelo que tornou a BCE um instrumento de impensáveis dislates e odiosas injustiças. Basta ler o diploma.
A norma-travão, que mais não foi que um expediente usado pelo anterior governo para tornear a Directiva 1999/70/CE, de 28 de Junho, da Comissão Europeia, venceu e persiste. Assim, continua a impor a entrada nos quadros de todos os professores que tenham cinco contratos de trabalho, anuais, completos e sucessivos, quando a directiva citada e a nossa lei do trabalho estipulam três. E apenas se aplica a partir da data em que foi instituída, deixando de fora os muitos docentes que, em períodos anteriores, cumpriram os requisitos.
Os mecanismos de recondução e renovação automática de contratos, isentos de concurso, instrumentos que derrogam liminarmente a justiça, a equidade e a Constituição (art. 47º, 2) resultaram incólumes. Assim, ao rigor e à transparência, PS e Tiago Brandão Rodrigues preferiram a tômbola e as águas turvas.
*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

22/03/16

"Nunca mais haverá sossego na Europa. "

do fb
por Manuel Tavares

A chamada "Primavera Árabe" só agudizou toda a situação no médio oriente e no norte de África, colocando os muçulmanos moderados numa situação difícil, fazendo com que décadas de tentativas de secularização de sociedades, ainda em boa parte mergulhadas numa religiosidade típica da idade média, fossem deitadas por terra. 

Os óbvios interesses económicos e geoestratégicos do eixo anglo-americano com o apoio de líderes europeus fracos, corruptos e traidores levou a que a situação de insegurança na Europa seja hoje uma lamentável realidade. 

Os líderes do mundo ocidental tiveram e têm uma duplicidade de critérios gritante em relação a países como a ditadura Saudita (medieval e religiosamente fanática) em comparação com outras ditaduras da zona apesar de tudo fundamentalmente seculares e muito mais progressistas em relação aos direitos das mulheres e que conseguiam um equilíbrio entre as várias etnias e sensibilidades religiosas que constituíam uma ideia de Estado, mesmo que precária ou mantida coercivamente. 

Hoje em dia o que é a Líbia? Ironicamente um país classificado no tempo da ditadura Kadafi como terrorista é hoje um ninho de terroristas do pior! Uma terra de ninguém! Um não-Estado! 

Ali ao lado até a Tunísia já não garante férias sossegadas apesar de ser o fruto menos mau da Primavera Árabe, o Egipto está transformado no que se sabe, o Iraque é uma anedota, o Iémen é vítima de genocídios indiscriminados por parte das forças sauditas e companhia limitada, a Síria já todos sabem o que se passa porque está na ordem do dia, Israel e Palestina não avançam um centímetro em décadas de conflito, a Turquia agora serve de Estado-tampão a troco de uns trocos comunitários, pelo meio foi-se tentando transformar a ditadura religiosa Iraniana no bode expiatório de todos os males da zona mas sem grande sucesso ( mesmo sendo uma ditadura religiosa consegue ser menos má que a Saudita ). 

Com tanta confusão mesmo à sua porta parece-me que a chamada crise dos refugiados sírios acaba por ser uma gota de água tendo em conta o que de mal pode suceder à Europa nos próximos tempos. Talvez uma nova "cimeira dos Açores" venha salvar a situação ...

A propósito dos atentados de Bruxelas

do fb
por Carlos Matos Gomes

A propósito dos atentados de Bruxelas (mas podia ser sobre os de Paris, ou de Londres, ou dos que se seguirão). Oiço: os jovens terroristas radicalizaram-se nas mesquitas da Europa. Radicalizar quer dizer: tornaram-se terroristas religiosos. Nunca ouvi perguntar pelas razões porque vieram os pais dos terroristas para Paris, para Londres, para Bruxelas… 

A resposta não é agradável para os políticos europeus e americanos do pós guerra fria, do pós colapso da União Soviética. Um pequeno e pouco rigoroso exercício de memória: 
Nos anos oitenta, nos países de onde vieram os pais dos terroristas religiosos, os tais que se radicalizaram, existiam regimes laicos – não eram democracias ocidentais, mas as mulheres andavam de cara descoberta, de perna ao léu, ouvia-se música ocidental, aprendia-se inglês, ou francês, dançava-se. O regime sírio de Hafez el-Assad era tolerante em termos de religião e de costumes. Assim como no regime de Saddam Hussein, no Iraque. Na Pérsia (agora Irão), o Xá da Pérsia, Reza Pahlevi tinha uma mulher toda práfrentex – Farah Diba – depois de se divorciar de outra também muito igual às ocidentais das revistas cor-de-rosa, a triste Soraya. Bebia-se e dançava-se em Teerão. Os ayatollahs eram considerados uns grunhos, tipo cardeal Torquemada da Inquisição. No Egito de Nasser e de Sadat as mulheres tomavam banho de bikini, bebia-se, ouvia-se música, viajava-se. Discutia-se. Na Turquia dos continuadores de Ataturk o mesmo, um ambiente aberto ao mundo. No Afeganistão até existiu uma República Democrática de 19778 a 1992 – não foi assim há tanto tempo, que o génio visionário de Ronald Reagan substituiu pelos mujahideen governo republicano e liberal que tinha sido instituído por Zahir Saha, porque era pró-soviético. Reagan e os seus cabeças de dólar preferiram o Ben Laden e a Alqaeda! Bela escolha! Na Líbia, Khadafi não era flor de estufa, mas tomava conta da porta da África negra e dos islamitas radicais – o Ocidente (a França e a Inglaterra) matou-o. 

Todos os regimes que, com mão mais ou menos pesada, mantinham os fundamentalistas religiosos em respeito foram derrubados pelo Ocidente e pelo Ocidente substituídos por bandos chefiados por clérigos fundamentalistas, assassinos, traficantes avulso que são a base do Estado Islâmico, do Daesh ou de como queiram chamar aos nazis islâmicos. Isto em nome da democracia, que os treinou e armou para destituir o Assad da Síria que impede o assalto das petrolíferas aos poços do Irão! Na realidade esses regimes laicos foram derrubados e substituídos para o Ocidente e as suas empresas petrolíferas e de armamentos agirem e explorarem à sua vontade os recursos desses países. Escapou a esta limpeza petrolífera, em nome da democracia, o ninho da serpente: a Arábia Saudita! 

A destruição dos regimes mais ou menos laicos do médio oriente e da bacia do Mediterrâneo para as petrolíferas ocidentais e as empresas de armamento fuçarem sem restrições provocou uma vaga de emigrantes, que a Europa recebeu deixando-os à vara larga, em autogoverno, à margem das leis locais. O Ocidente chamou globalização e mercado livre ao saque das suas companhias feito sobre as riquezas locais. Chamou democracia ao governo de cúmplices locais. Chamou multiculturalismo à irresponsável demissão de vigilância sobre o comportamento dos parias que acolhia. Os Estados do Ocidente entregaram a sua estratégia aos seus mercadores, demitiram-se de defender internamente os seus princípios civilizacionais e agora admiram-se que, depois de admitida a poligamia, a violência sobre as mulheres, a imposição de leis à margem das leis nacionais e da cultura dos países de acolhimento, os jovens radicalizados entendam que o Ocidente é uma terra de infiéis. Têm razão: somos infiéis à nossa cultura e aos nossos princípios. 

Os atentados de Paris e de Bruxelas e os que se seguirão devem-se à criminosa ausência de princípios, e à ganância de políticos com nome: Reagan, Tatcher, Bush, Blair, Kissinger, Zbigniew Brzezinski e, mais perto, Sarkozy, Hollande, Cameron… 

Os mortos de hoje merecem uma reflexão para prevenir o futuro. É a melhor forma de os respeitar. 


(Nas fotos: Ben Laden com Zibgniew Brzezinski e Bush com o amigo saudita)

com o coração apertado ...

de Egon Schiele
Os atentados de Bruxelas doem-me ainda mais fundo que os de Paris, tenho lá o meu irmão, a minha cunhada, a minha sobrinha. E odeio de um ódio visceral quem assim se arroga o direito de ceifar vidas inocentes e de espalhar o terror, semear o medo.
E tenho o coração apertado de preocupação e angústia, por eles, pelo meu filho longe. Choro as famílias hoje enlutadas.

E tento perceber, encontrar caminhos que acabem de vez com esta barbárie. E questiono-me sobre a eficácia, nenhuma, deste "combate ao terrorismo" desde os ataques de 2001, nos EUA, aquela invasão do Iraque tão iniciadora de tudo.

E não posso deixar de olhar as vidas desfeitas dos milhares de refugiados que fogem deste mesmo horror, encurralados e indesejados, vítimas, também eles, de facínoras iguais a estes, os jihadistas e os outros, carregados de armas e de bombas e de drones, desses que, incondenados, lhes vêm destruindo as cidades e os países, há anos, todos os dias.


Não posso deixar de me interrogar sobre as causas profundas das coisas, as culpas, várias, e as conivências, os que ganham com estas guerras e guerrilhas.


E não posso aceitar este "olho por olho, dente por dente", que mais não tem feito que generalizar as guerras e espalhar a morte e a dor, sempre de inocentes, cá ou lá. 


E penso, que raio de instituições são estas, as europeias e as outras? Que raio de utilidade têm as Nações Unidas, assim tão cegas e surdas, tão inoperantes e coniventes?

hoje, Bruxelas ...


de Juan Miró
do fb
por Paulo Mendes
Mais um atentado, daqui a algumas horas provavelmente descobrir-se-à que foram cometidos por europeus, entretanto seguem-se mais umas horas de defesa de uma sociedade securitária e normalizada, e exclusiva. Ou seja, a defesa do medo como decisor político.
Hoje, ninguém fará qualquer ligação entre o que sucedeu em Bruxelas e a decisão dos líderes europeus em relação às intervenções "pacificantes" para mudança de regime numa míriade de países.
Hoje, ninguém vai fazer as contas de quanto custou, em vidas inocentes, a Invasão do Iraque NA EUROPA.
Depois de hoje, vamos acelerar ainda mais o pagamento de biliões a um proto-ditador turco para manter higienicamente fora da nossa vista o fluxo de milhões de refugiados causado por guerras pagas por nós e cujos resultados estamos agora a colher. Pobre Bruxelas...pobre Europa.

09/03/16

e vai acabar condecorado?!

retirado daqui
por Filipe Tourais

«Foi um dos maiores protagonistas daquele revanchismo que há mais de 40 anos vem ajustando contas com o 25 de Abril. 
Sempre foi amicíssimo e comensal das mesmas mesas que enriqueceram alguns dos maiores corruptos da nossa História recente. 
Ora condecorador de bandidos, ora perseguidor de gigantes da nossa Cultura. 
Um perito em facadinhas fiscais do seu tamanho. 
Um especialista em exortações à aceitação da injustiça social. 
Uma boca cheia umas vezes de bolo rei, outras de mão de princesa espanhola, outras ainda de lamúrias sobre a triste vida a que o condena um pecúlio mensal equivalente ao de uma vintena das centenas de milhar de portugueses cuja miséria faz parte do seu conceito de “interesse nacional”. 
Uma vida vazia de gestos nobres e grandes. 
Um rabo sentado sobre uma Constituição que nunca se dignou a respeitar, menos ainda a fazer cumprir. 
Até que enfim. Termina hoje o segundo mandato daquele que foi o pior Presidente da República da nossa democracia. A repugnância que a figurinha me desperta obriga-me a registar o momento com enorme satisfação. Porém, ver alguém que tanto, tudo fez para justificar ser demitido sair pelo seu próprio pé, apenas porque o seu tempo expirou, arreda-me de qualquer festejo. 

Sem dúvida alguma, Cavaco Silva desaparecer das nossas vidas é a melhor notícia com o seu nome que alguma vez já tivemos ocasião de ler ou ouvir. E nem esta é aquela maravilha: o povo que o fez acontecer e lhe proporcionou uma vida política tão longa permanecerá por aí, fiel ao que não se cansa de continuar a ser.»
................................

do site da SIC-notícias:  
«Às 18:20, no Palácio Nacional da Ajuda, Marcelo Rebelo de Sousa irá condecorar Cavaco Silva com as insígnias do Grande Colar da Ordem da Liberdade» 
----- e eu digo: F* you all !

Cem e sem

 
no Público
9 de Março de 2016

por Santana Castilho*


1. Cem dias passados, o Governo do PS, apoiado pelo PCP, BE e Verdes, provou ter uma capacidade notável de adaptação. Aguentou-se no primeiro lance, o da aprovação de um programa dúbio de governo. Sobreviveu ao golpe que ofereceu, em saldo, o Banif ao Santander, logrando mesmo o apoio do PSD para aprovar o orçamento rectificativo que viabilizou a negociata. Levantou (foi obra) o PCP, pela primeira vez em 40 anos, para aprovar o OE 2016, saído de um belo joguinho de cintura com Bruxelas. E, cereja no topo da geringonça, 46 páginas de erratas depois, eis que a radical Moody’s lhe conferiu um invulgar elogio. Cavaco Silva desta vez não o disse, mas certamente que voltou a pensar ser coisa da virgem de Fátima.

Nestes cem dias, de fé no fim da austeridade, recuperaram-se feriados perdidos. Operaram-se exíguas melhorias para as famílias de mais baixos recursos. Reverteram-se privatizações. Extinguiram-se exames. Prometeram-se (para uns) 35 em vez de 40 horas de trabalho. Aumentou-se o salário mínimo. Apresentou-se à EDP a factura da tarifa social de energia e aos fundos imobiliários a nota para pagarem o IMI e o IMT de que estavam isentos.

Seguir-se-á a realidade, que diluirá tendências populistas e começou já a ser reconhecida com 800 milhões de novos impostos. A realidade que liga o crescimento económico, a justiça social, a dignidade nacional e o futuro do país ao fim dos abusos da banca e à renegociação da dívida, que sufocam tudo e todos, incluindo qualquer fé e qualquer governo que actue de modo híbrido, querendo, como este, simultâneamente, contentar a ortodoxia europeia, PCP, Bloco e Verdes. Neste quadro, os próximos episódios (procedimentos do Semestre Europeu, designadamente Plano B) deste jogo de realidade versus fé apenas testarão quanto tempo António Costa conseguirá, do mesmo passo, ser poder e contrapoder, bom aluno para Bruxelas e suficientemente rebelde para o Bloco, Verdes e PCP. Citando Pacheco Pereira (Público de 27.2.16), “… há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são. Na política, o país está num impasse, mas parece que não …”.

2. Sem qualidade, começam a revelar-se os discursos (e as políticas) dos dois dignitários da Educação. Ouvi o do ensino superior, no parlamento, abalroar, de forma reiterada (o que afasta o lapso simples para expor a ignorância grave) o presente do conjuntivo do verbo ter. “Tenhemos”, senhor ministro? E traulitar, sem rebuço, o pretérito perfeito do indicativo de intervir. “Interviram”, senhor ministro? E li-o (Público de 27.2.16), defendendo (alô, alô, BE, PCP e Verdes) a precarização do emprego dos professores e investigadores do seu sector. Flexibilizar o emprego científico, senhor ministro? Quando mais de 40% dos docentes e investigadores do ensino superior têm vínculos precários? Não terá cuspido no dedo errado para “virar a página”?

O ministro da Educação, igualmente no parlamento, também repetiu o tique que se lhe começa a pegar à pele, qual seja uma certa tendência arrogante para manipular os factos. “Ao contrário do que alguns disseram, o Orçamento do Estado para Educação em 2016 cresce 303 milhões de euros (+ 5.3%) quando comparado com o que o governo anterior inscreveu no orçamento para 2015. De 5716 milhões de euros para 6019 milhões de euros”, disse o ministro. E disse mais que só “podemos comparar o que é comparável”. Ora no momento em que “alguns” disseram haver um corte de 82 milhões (-1,4%) já se sabia quanto o Governo anterior tinha efectivamente gasto com a Educação. E gastou mais 82 milhões do que este se propõe gastar em 2016. Que queria o ministro? Que se ignorasse o que já era conhecido? Não comparámos velocidade com toucinho, senhor ministro. Comparámos euros gastos com euros que o senhor disse que ia gastar. E o senhor disse que tenciona gastar menos 82 milhões que o seu antecessor de facto gastou. E a esse corte de 82 milhões, para compararmos o que é comparável, isto é, conhecer a verdadeira dimensão do corte nominal das actividades da escola pública, com os dados existentes no momento em que “alguns” falaram, temos que somar os 14,4 milhões que pagará a mais ao ensino privado e o aumento dos gastos salariais dos professores. Se já fez as contas, teria sido mais sério confessar o número no parlamento.

Hoje, os novos donos das novas certezas decidem ontem e estudam amanhã. Levianamente. Os professores, que não são donos deles próprios, sujeitam-se, quando pouco mudou. A frustração não desapareceu mas a capacidade de espera cresceu. Às salas dos professores não voltou a familiaridade, a colaboração mútua e a confiança que de lá desapareceram com Maria de Lurdes Rodrigues  e Nuno Crato. Os sinais de narcisismo dos novos poderosos contrastam com os traços de psicose dos que perderam o poder. Os anúncios de ideias de futuro, sem ideias e medidas de presente, não combatem a depressão colectiva que ameaça a escola pública.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

08/03/16

quando a "mulher" tem um dia e ......

de Maria Teresa Horta

ELAS
Maria Teresa Horta

Elas
Iludem as escurezas
dos rostos a negrura das nódoas

do corpo
desatam os nós que lhes
atardam, atam e algemam
a alma e os pulsos
Conversam entre si
coisas de enredo
lançam Luz nos recantos
das vagas
Trocam receitas de venenos
murmuram palavras escusas
desejos inolvidáveis
‘Oh, que dureza ruim!
Ataduras e debruns
missanga de muita estrela
Cassiopeia, raízes
sangrantes
das próprias veias’
Elas
inventam a mata
na clareira assombrada
embrenhadas na vigília
Recriam, criam, dominam
Viram pombas, profetizas
com uma alvura de cera
pálidas rosas da China
‘Oh, tormenta amendoada
solidões desirmanadas
enquanto de madrugada
Cavam, enterram, devassam
pespontando com o riso
as dobras do calamento’
Elas
bradam, elas buscam
sibilas e amazonas
emudecem as camélias
e as roseiras nervosas
Feiticeiras ardilosas
filhas da harmonia
partilham as tempestades
Derrubam, suturam, fiam
‘Oh doçuras sigilosas
no aço do destempero
de incêndios e desesperos
Virados pelo avesso
a paixão e a razão
entre si tão divididas’
Elas
recusam, derrubam
dominam as próprias vidas
com a sua inteligência
Tornam-se donas do tempo
a semearem agruras
pelos meandros do vento.

Maria Teresa Horta, Março de 2016

07/03/16

dos horários docentes e outras propostas

Concordando (obviamente!) com as propostas da Fenprof, não posso deixar de me espantar com o branqueamento que continua a fazer-se relativamente às políticas de Maria de Lurdes Rodrigues, nomeadamente as relacionadas com a criação dos mega-agrupamentos ou a contabilização falaciosa da componente não-lectiva. 
  • Porque é que os sindicatos não propõem a revogação do estatuto de MLR, pergunto-me ... 
  • Porque é que este ministro lhe passa, também, ao lado? 
  • E porque é que os professores estão tão caladinhos? 
... Isto sou eu, que até já nem sou minimamente afectada pelos desvarios do ME .....

retirado daqui:
http://www.saladeprofessores.pt/Artigo/organizacao-do-proximo-ano-letivo

Organização do próximo ano letivo
07 Março, 2016

por José António Faria Pinto

Entende a FENPROF que o quadro legal que rege a organização de cada ano letivo deverá ser estável e não, como tem acontecido, alterado de ano para ano, por vezes profundamente, por norma, por imposição orçamental.

Tal quadro, na opinião da Federação, deverá permitir que as escolas, no quadro da sua autonomia, se organizem de acordo com as realidades e necessidades locais, designadamente ao nível da constituição de turmas, da organização de horários, da definição das chamadas ofertas de escola e, de uma forma geral, na decisão sobre o conjunto de atividades a desenvolver com vista à promoção do sucesso e ao combate ao abandono escolar.
Para a FENPROF, esta será também a oportunidade de deixar de penalizar em horas de crédito as escolas cujos alunos apresentam maiores dificuldades, sob pena de se aprofundar o fosse já hoje existente entre escolas. E quanto ao crédito global de horas, o tempo é de acabar com um conceito de autonomia que apenas tem permitido às escolas a gestão da escassez. Respeitar a autonomia passa por permitir às escolas a elaboração de uma proposta de crédito global de horas construída sobre critérios objetivos, transparentes e justos que tenham em conta a sua realidade.
Clarificar o conteúdo
da componente letiva


Para a FENPROF, no que respeita aos docentes, a questão principal é a de clarificar o conteúdo da componente letiva para que acabe a confusão deliberadamente instalada entre o que é letivo e o que integra a componente não letiva de estabelecimento. Essa foi uma estratégia do governo anterior para reduzir o número de professores no sistema, pois a muitos foram atribuídas tarefas letivas na sua componente não letiva.

De entre as várias propostas apresentadas destacam-se ainda a existência de reduções adequadas para cargos como a direção de turma, a coordenação de departamento ou a coordenação de estabelecimentos, assim como a consideração dos intervalos no 1.º Ciclo como componente letiva. Por último, são apresentadas propostas relativas ao número de alunos por turma, sendo também dada ênfase à necessidade de garantir que as turmas do 1.º Ciclo têm apenas um ano de escolaridade e que as turmas que integram alunos com necessidades educativas especiais respeitarão os normativos legalmente estabelecidos, coisa que hoje não acontece.
Após a elaboração, pelo ME, do projeto de quadro legal, deverá ter lugar o adequado processo negocial relativo a matérias que o exigem, nomeadamente a organização do horário de trabalho e o conteúdo funcional de cada componente do horário.

Propostas da FENPROF - continuar a ler

03/03/16

os EUA em guerra consigo próprios, ou a definível estupidez dos 'trampas' ...

Em vésperas de eleições nos Estados Unidos, e face à não-descartável vitória de um trampas com uma assustadora base de apoio, a sugestão de uma leitura:

Man in the Dark (clicar para ver sinopse, etc), 
um livro do escritor americano Paul Auster

Numa estória dentro da estória, há um homem que, nas suas noites de insónia, vai imaginando, construindo uma América 'alternativa', cuja História começa no ano 2000, logo após a eleição de Bush. Revoltados com o resultado das eleições (em que Al Gore, reunindo mais votos, é, no entanto, derrotado - lembram-se daquelas contagens e recontagens?), os Estados começam a declarar a sua separação da União. O primeiro, claro! (ver em baixo porquê - 'claro' ) é o de Nova Iorque. Outros 15 se lhe seguirão e a América está em guerra. Nada de novo, só que, desta vez, não com o mundo, mas consigo própria. 

Neste mundo paralelo, o 11 de Setembro (2001) nunca aconteceu. As torres gémeas continuam de pé. Não houve a invasão do Afeganistão. Não há guerra no Iraque. Da Síria não se fala, ainda, sequer...
«Há uma guerra civil em que se disparam sobretudo ideias, e que se leva ao limite». Mortíferas, tão devastadoras como balas. Ler aqui a entrevista do autor ao El País: - interessantíssima, elucidativa: «Nos EU há dois mundos que não comunicam entre si!» 

O tema deste romance de Paul Auster 'nasce' de um inconformismo, uma não-aceitação do 'estado das coisas', no seu país: «Há oito anos, desde o golpe de estado legal que derrotou Al Gore, que sinto como se vivesse num mundo paralelo que acabou por tornar-se real, e tudo só tem vindo a piorar!» 

Não é casualidade que a guerra civil de Brill (o 'homem no escuro') comece com a independência de Nova York. «E não é piada: há muita gente que pensa que NY deveria ser um Estado independente; tanto que, após o 11 de Setembro, houve uma revista de poesia que escreveu, na 1ª página: 'USA out of NYC'; muitos outros odeiam NY pelo que representa, com 40% da população vinda de fora...».
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review: Man in the Dark

02/03/16

um trump-como-hitler

fonte: http://www.esquerda.net/artigo/chomsky-evoca-ascensao-do-fascismo-europeu-para-explicar-fenomeno-trump/41501
1 de Março, 2016

Donald Trump: foto de Gage Skidmore
Chomsky evoca ascensão do fascismo europeu para explicar fenómeno Trump 
“As pessoas sentem-se isoladas, desamparadas, vítimas de forças poderosas que não compreendem e não podem influenciar”, diz o famoso linguista e ativista político norte-americano, considerando que o bilionário do Partido Republicano está a conseguir canalizar este sentimentos para a sua candidatura.

Numa recente entrevista ao Huffington Post, Noam Chomsky afirmou que o crescimento da candidatura de Donald Trump no Partido Republicano se deve aos “sentimentos profundos de raiva, frustração e desamparo” que se espalham entre os setores da população que veem, por exemplo, crescer os índices de mortalidade no país. “Nenhuma guerra, nenhuma catástrofe causou a subida abrupta do índice de mortalidade desta população”, defendeu o famoso linguista e ativista político. 

Noutra entrevista, ao site Alternet, Chomsky desenvolveu esta ideia: “As pessoas sentem-se isoladas, desamparadas, vítimas de forças poderosas que não compreendem e não podem influenciar.” Para o também professor emérito do MIT, “é interessante comparar com a situação dos anos 30, que eu tenho idade suficiente para recordar. Objetivamente, a pobreza e o sofrimento eram muito maiores. Mas mesmo entre o povo trabalhador pobre e os desempregados havia um sentimento de esperança que falta hoje, em grande parte devido ao crescimento, na época, de um movimento sindical militante e também à existência de organizações políticas exteriores ao mainstream”.

Os sentimentos de desamparo e de raiva, defende Chomsky, “não apontam tanto às instituições que são agentes de dissolução das suas vidas e do mundo”, mas sim àqueles que são ainda mais duramente atacados. “São sinais que conhecemos, e que evocam algumas memórias da ascensão do fascismo europeu.” 

Viragem à direita 
A uma pergunta sobre o surgimento da candidatura de Bernie Sanders, declaradamente socialista, e também do novo líder trabalhista britânico, Jeremy Corbin, Chomsky respondeu: 
"Sanders, na minha opinião, é um honesto e decente democrata do New Deal. Corbyn expressa as posições do trabalhismo tradicional. O facto de serem olhados como 'extremistas' ilustra a viragem à direita de todo o espectro político durante o período neoliberal."